Poderá o amor nascer em tempo de guerra? No Portugal de
Salazar e nos tempos conturbados da guerra civil espanhola, Miguel Oliveira,
voluntário português ao serviço das tropas nacionalistas de Franco, é feito
prisioneiro pelos republicanos, depois de o seu avião ter caído nos arredores de
Barcelona. Um feliz golpe de sorte salva-o de um julgamento sumário e de uma
morte certa por fuzilamento. Será trocado por um oficial republicano, perto de
Madrid. Miguel inicia uma longa viagem de automóvel que o vai levar de Barcelona
a Madrid num território pejado de perigos. Será durante essa intensa viagem que
ele conhecerá e se apaixonará por Dolores, a jovem republicana responsável por
levá-lo à capital espanhola. Outrora uma defensora ardente da República, Dolores
está nos finais da guerra, cansada de ver tanta morte e destruição. Para sua
grande surpresa e sem nunca abandonar os seus ideais, a jovem republicana
encontrará em Miguel um bom confidente e até um protetor. Tendo como pano de
fundo a violenta paisagem desenhada pela guerra civil, Não nos roubarão a
esperança, narra o nascimento de um grande amor que terá de provar ser mais
forte do que o ódio.
Junho de 1938.
Arredores de Barcelona.
Duarte abriu os olhos e levou alguns segundos a
distinguir o que estava à sua volta. Um
bando de crianças sujas e mal vestidas olhava para ele tentando disfarçar o
medo. O piloto levou a mão à testa e
sentiu o sangue antes de o ver. Uma dor
terrível apertava-lhe o pé esquerdo, ou talvez o direito. Tudo naqueles primeiros instantes lhe parecia
confuso. Na sua cabeça uma imagem
repetia-se. O fumo e as chamas que saiam
do grande motor do avião, o chão a aproximar-se e os gritos do seu
copiloto. Depois de um violento embate
contra um terreno seco tudo ficou, subitamente, estranho. Não conseguia lembrar-se de mais nada. Até aquelas crianças ranhosas e desdentadas
não faziam sentido para Duarte. Que raio
estavam ali a fazer? Onde estava o seu
avião? Olhou para trás e sentiu, mais do
que viu, os restos esventrados do seu aparelho italiano com o fogo a consumir a
madeira que lhe dava forma. Mais ao
longe, ainda altivo, o motor rodeado por chamas.
Quis levantar-se, mas o pé não o deixou. Soltou um grito de dor. As crianças assustaram-se com o grito e
recuaram uns passos tímidos. Aos poucos
foram perdendo o medo e voltaram a aproximar-se do piloto português. Duarte podia, agora, ver com um pouco mais de
detalhe as seis ou sete crianças que o rodeavam.
Porque tinham elas espingardas nas mãos? Duarte esforçou-se para focar a imagem tanto
quanto lhe deixava aquela maldita dor na cabeça mesmo por cima dos olhos. Sobressaltou-se. As crianças tinham mesmo armas e estavam
apontadas a ele? Bastaram mais uns
segundos para Duarte perceber que era tudo a brincar.
As espingardas eram de pau. A fingir.
Sem saber como, Duarte encontrou forças para sorrir.
Uma das crianças, mais afoita, aproximou-se com a
sua arma a fingir em punho. Encurvou-se
ligeiramente para apontar a sua espingarda faz-de-conta ao corpo deitado do
piloto. Não devia ter mais de 8 anos e
uma cara marcada por sardas. A criança
fechou a boca e franziu o sobrolho para tentar encontrar a cara mais terrível
que conseguisse. Se a espingarda era
falsa, a sua voz era verdadeira e o ódio com que disse aquela curta frase
assustou Duarte:
- Pum!
Estás morto, fascista dum filho da puta!"
(Pré-publicação de um excerto do primeiro capítulo
do livro “Não Nos Roubarão a Esperança”, de Júlio Magalhães, publicado na
revista Tentações na edição 430 da revista Sábado)
PREÇO: 18 EUR
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