Boa Tarde,
Quero agradecer aos leitores do Blogue as 12,000 visitas, neste primeiro ano de "vida".
Espero que continuem a visitá-lo durante o ano de 2012.
Desejo a todos um excelente Natal e um Feliz Ano Novo de 2012, dentro do possível...
Obrigado pelo vosso apoio
Blog dedicado a toda a iconografia e memorabília dos diversos Nacionalismos Europeus. (1926-1945)Dirige-se essencialmente a coleccionadores e curiosos desta temática bastante rica em uniformes, distintivos, e condecorações. Abrange também o período da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) AVISO: Este não é um blogue de carácter politico.Pretende apenas mostrar alguns aspectos da recente História passada, sem complexos e tabus.Trata-se apenas de um espaço de carácter histórico.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
" O JORNAL PORTUGUÊS"-PROPAGANDA CINEMATOGÁFICA DO ESTADO NOVO (1938-1951)
EXCERTOS DO "JORNAL PORTUGUÊS"
O JORNAL PORTUGUÊS (1938-1951): VEÍCULO DE PROPAGANDA CINEMATOGRÁFICA DE UM PAÍS NAS MARGENS DA GUERRA
Inventado no final do século XIX, o cinema depressa se tornou numa arma de propaganda. Ao realismo das imagens juntava-se também a capacidade que aquele invento tinha de iludir as audiências.Em Portugal, os anos 30 e 40 – período de consolidaçãotecnológica do cinema, nomeadamente com o aparecimento do som.– representam uma das etapas mais sensíveis e significativas da história contemporânea do país: por um lado, o desenvolvimento de um aparelho propagandístico estatal que servia os desejos manipuladores do regime autoritário e antidemocrático que dava os primeiros passos na sua consolidação política, económica e social; por outro, o eclodir de dois conflitos bélicos que, ainda que indirectamente, puseram em risco a soberania da nação e o regime que a controlava.Com a criação do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN),em 1933, que passaria a Secretariado Nacional da Informação (SNI),em 1944, o Estado Novo tinha um instrumento de manipulação, primordialmente destinado à opinião pública nacional, mas que não pretendia descurar a sua imagem externa. Como meio propagador da mensagem, o cinema despertou a atenção do Secretariado.Produzido pela Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas (SPAC), o Jornal Português (1938-1951) foi o único noticiário cinematográfico (oficial) realizado em Portugal que
atravessou dois períodos conflituosos da história mundial: 1936-1939 e 1939-1945, tornando-se num objecto de estudo privilegiado daqueles períodos históricos. Este texto centra-se essencialmente nas mensagens propagandísticas que o Estado Novo procurava transmitir através do Jornal Português quer antes, quer durante, quer depois do maior conflito bélico da história da humanidade.Não tendo participado militarmente na Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo exerceu uma importante actividade política e diplomática durante o conflito. Uma acção que é comprovada através do visionamento e da análise do Jornal Português.A exibição do Jornal Português não era obrigatória, ao contrário
do que acontecia com outros jornais de actualidades, como era o caso do seu congénere espanhol NO-DO (1943-1975). O Jornal Português nunca manteve uma periodicidade certa como se exigiria a um noticiário cinematográfico de actualidades.
Esta inconstância está bem patente ao longo dos 14 anos de edição,num total de 95 números. Todavia, José de Matos-Cruz refere ainda a existência, em 1950, de um Jornal Português (Especial) – entre o nº92 e o nº 93 – sobre o 2º Congresso Internacional das Capitais do Mundo
ANO Nº DE EDIÇÕES DO "JORNAL PORTUGUÊS"
1938: 5 ; 1939: 7 ;1940 : 10; 1941: 7; 1942: 6; 1943: 6; 1944: 7 ; 1945: 6; 1946: 10; 1947: 7; 1948: 9
1949: 8 ; 1950: 5; 1951: 2
Total : 95 Edições
1940 e 1946 são os anos que registam o maior número de edições do Jornal Português. Em 1940, a revista de actualidades portuguesa ficou marcada pelas comemorações do Duplo Centenário,tendo produzido uma série especial dedicada àquela celebração. 1946 também foi ano de festejos com a comemoração do vigésimo aniversário da Revolução Nacional que, em 1926, tinha imposto a Ditadura Militar.A análise dos conteúdos do Jornal Português permite encontrar referências ideológicas da propaganda salazarista. As 496 notícias (Este número diz apenas respeito às reportagens presentes nos arquivos do ANIM.Tendo em conta que alguns números do Jornal Português se encontram incompletos, é natural que este noticiário cinematográfico tenha produzido mais de 500 reportagens),que este noticiário cinematográfico patrocinado pelo Estado produziu, entre 1938 e 1951, reflectem algumas das prioridades da propaganda oficial naquele período.A análise de conteúdos também pode ser feita de uma forma quantitativa. Os 13 temas que compõem a tabela que se segue resultam, única e excusivamente, da observação meticulosa do Jornal
Português. A partir deste quadro é possível entender algumas das prioridades propagandísticas do regime, nomeadamente aquelas que foram alvo de referência no Jornal Português.
CATEGORIAS TEMÁTICAS PERCENTAGEM (%)
Actos e figuras do regime:comemorações, inaugurações,
homenagens, manifestações:20,2%
Organismos que apoiaram o Estado Novo: Legião Portuguesa,Mocidade Portuguesa, Forças Armadas, PSP, GNR, Bombeiros,SPN/SNI :15,4%
Política Externa/Relações do regime com o exterior :12,8%
Economia e Desenvolvimento Tecnológico:11,4%
Factos Diversos: 7,4%
Cultura :7,2%
Religião: 6,6%
O Pitoresco, Paisagens e Costumes Nacionais :6,2%
Desporto :5,4%
Educação/Ensino :3,4%
Política Colonial: 1,8%
Saúde: 1,2%
O Pitoresco, Paisagens e Costumes Internacionais: 1%
Total 100%
A Guerra e a Paz no "JORNAL PORTUGUÊS"
Com o eclodir da Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial, o regime atravessou tempos de crise. A ruptura dos equilíbrios económicos, sociais e políticos construídos nos anos 30 pelo salazarismo, levou o Estado Novo a encarar seriamente o risco de ser derrubado.
O presidente do Conselho tinha visto na Espanha de Franco um aliado importante para manter o comunismo e o internacionalismo afastado das fronteiras do Império. O Estado Novo assumia “a sua posição política e moral contra o comunismo”.O próprio cinema era a imagem desta proximidade assumida nternamente e recusada externamente. Na Europa, para além dos
estúdios de Berlim, os sublevados recorriam também aos estúdios de
Lisboa para produzirem os seus filmes de propaganda. Emeterio Diez
Puertas recorda que o Secretariado da Propaganda Nacional introduziu imagens e comentários pró-franquistas em muitas das suas produções e lembra o documentário Comícios Anti-Comunistas(1936), o noticiário Jornal Português, ou até adaptações de documentários estrangeiros como Visões da Guerra de Espanha,Imagens da Guerra de Espanha ou A Guerra Civil de Espanha.
Em Portugal, o cinema nacionalista espanhol recebeu a contribuição da Lisboa Filmes, que se relacionava com empresas alemãs, nomeadamente a Tobis portuguesa e a UFA. A Lisboa Filmes servia-se do seu laboratório para revelar, montar e sonorizar as magens recebidas de Espanha.Entre 1937 e 1938, chegou à Lisboa Filmes a maior parte do material filmado em Espanha pela indústria e pelas instituições franquistas. Todavia, como relata Puertas, “las deudas acumuladas por Falange e CIFESA, además del vuelco hacia Alemania promovidopor el DNC (Departamento Nacional de Cinematografia), cierran esta
colaboración”.
Relações internacionais e diplomacia: a política de alianças
Em 1938, a primeira edição do Jornal Português reflectia a imagem de um País que pretendia relacionar-se da mesma maneira com todas as nações. Essa era, precisamente, a ideia que o regime queria transmitir.Contudo, muitas das manifestações políticas internas aproximavam o Estado Novo dos países de matriz ideológica antidemocrática. O primeiro número do Jornal Português produzido e exibido em 1938 é disso exemplo. Na primeira reportagem intitulada A visita do “Deutschland” pode-se ouvir que aquela visita constituía
uma apreciável manifestação de gentileza da Alemanha para com Portugal: “Visita afectuosa. Com ela se estreitaram, melhor, relações de boa amizade”, diz o locutor. Todavia, e apesar de política e ideologicamente próximo de potências europeias em ascensão, como era o caso da Alemanha, o Estado Novo não descartava uma aliada de muitos anos. Uma outra nação que merecia igual cordialidade: a Inglaterra. Na notícia A visita oficial da “Home Fleet” escuta-se que os barcos de guerra, “neste caso de paz e de amizade”, da “nossa velha aliada”, traziam consigo “o penhor de um entendimento secular. Séculos de história em que ingleses e portugueses compartilharam das mesmas vicissitudes e das mesmas glórias.”Recebidos como amigos, a visita dos barcos ingleses tinha tido “uma importância de significado excepcional, político e diplomático”, segundo a narração do Jornal Português.
O padrão ideológico das instituições ligadas ao regime mostrava que o Estado Novo mantinha excelentes relações com os emergentes movimentos de extrema-direita que surgiam na Europa. As imagens da missa campal dos falangistas da Galiza e dos flechas de Badajoz e de Cáceres, que contou com a presença de representantes da Legião Portuguesa, da Mocidade Portuguesa e das juventudes alemãs e italianas, podem ser vistas em Os Falangistas Espanhóis em Lisboa.
A única referência, ainda que indirecta, neste primeiro número o Jornal Português à Guerra Civil de Espanha tem como título O XIV Portugal Espanha de Foot-Ball, onde se explica que os atletas espanhóis são excelentes, ágeis e decididos, embora não representem, “devido à guerra”, toda a qualidade futebolística do país vizinho.
Esta proximidade tanto às democracias como aos regimes de extrema-direita continua a ser visível no Jornal Português nº 2. Por um lado, mostra-se a visita oficial da marinha de Mussolini ao governo português, através da notícia A 8ª Divisão Naval Italiana em Lisboa, e, por outro, põe-se em evidência a antiga aliança com a Inglaterra na reportagem Missão Militar Inglesa.
Esta última notícia apresenta a recepção dada por Carmona à missão militar que veio estudar, com delegados do exército e da armada, portuguesa “toda uma série de problemas de interesse para os dois países, velhos amigos e velhos aliados”.Dois números à frente, a reportagem A entrega das Insígnias
da Ordem do Banho ao Sr. Presidente da República trata de um acontecimento que, segundo o narrador, “sublinhava, pela sua importância e pelo seu alto significado, a excelência das relações existentes entre os dois povos unidos por uma aliança que é a mais velha da história política da Europa e do Mundo”.Toda esta cordialidade para com a Grã-Bretanha não surpreende, tanto mais que a velha aliada era uma parceira A relação de interesses que ligava as duas nações, e que o Jornal Português fazia questão de salientar, está presente nas palavras do locutor: “Dos seus resultados esperam ingleses e
portugueses benefício para o melhor estreitamento das relações entre os dois povos, que há muitos séculos estabeleceram laços de uma aliança política, e o que é ainda melhor, de uma boa amizade.”
A questão inglesa era uma constante no Jornal Português nos últimos anos da Guerra Civil espanhola, nomeadamente no Jornal Português nº 4 e nº 6. Na locução de A visita do Chefe do Estado às Províncias Portuguesas D’Além-Mar volta a surgir o pretexto para que se refira, uma vez mais, a presença de alguns membros da missão militar inglesa encarregada de discutir com a missão militar portuguesa “assuntos militares que interessam aos dois países”.Dois números à frente, a reportagem A entrega das Insígnias
da Ordem do Banho ao Sr. Presidente da República trata de um acontecimento que, segundo o narrador, “sublinhava, pela sua importância e pelo seu alto significado, a excelência das relações existentes entre os dois povos unidos por uma aliança que é a mais velha da história política da Europa e do Mundo”.Toda esta cordialidade para com a Grã-Bretanha não surpreende, tanto mais que a velha aliada era uma parceira fundamental na economia portuguesa, fornecendo máquinas e combustíveis, e sendo, igualmente, um dos principais clientes em produtos de exportação como o vinho do Porto e a cortiça.
As relações com a vizinha Espanha nacionalista de Franco e a Itália fascista de Mussolini – afinal duas nações ideologicamente muito próximas do Estado Novo, que continuavam a dividir, com a Inglaterra, o espaço noticioso que o Jornal Português dedicava às relações políticas e militares do país com o exterior – voltam a estar patentes no Jornal Português nº 10, com as reportagens Uma Esquadra Italiana nas Águas do Tejo e Visita dos Flechas Navais a Lisboa. Esta última menciona na sua narração a “política de bom
entendimento e de boa amizade estabelecida hoje entre os dois países peninsulares”. Apesar dessa amizade peninsular ter actuado sempre como um pilar da política externa do Estado Novo, o regime temeu sempre as tendências integracionistas da Falange.
Em 1938, a reportagem Oswald Pirow em Lisboa, incluída no Jornal Português nº 5, aproveitava a visita do ministro Sul-Africano a Portugal para referir que, por causa de algumas considerações tecidas pela imprensa estrangeira, o governo português via-se obrigado a desmentir que aquela visita se realizava devido a problemas com as colónias portuguesas em África.
O regime receava a abertura de uma nova frente de guerra internacional, que fizesse com que o património colonial viesse a seralvo dos apetites e dos acordos secretos de partilha entre as grandes potências da época. Quer na propaganda oficial, quer na diplomacia,o Estado Novo não perdia nenhuma oportunidade para tocar em assuntos como a soberania do país e o património que considerava sagrado.
Em 1938, com a realidade da guerra cada vez mais perto, tal era a deterioração da situação internacional, a paz portuguesa vivia momentos de insegurança e incerteza. Perante a inevitabilidade de um novo conflito, a reportagem Visões da Guerra Química, incluída no Jornal Português nº 5, lembra que as experiências e os estudos realizados permitiam garantir que “a nossa técnica fabril militar e a pirotecnia, especialmente, se encontram à altura das circunstâncias,isto é, integradas nos progressos da indústria da guerra química moderna”. Surgem, então, as primeiras e únicas imagens recebidasdo exterior onde a sombra da guerra está presente, com a notícia
Chamberlain em Roma. A reportagem enviada pela companhia italiana LUCE, sobre a presença do “grande homem de estado britânico”, como é qualificado pelo locutor, a ser recebido pelo Duce,mostra os dois líderes a cumprimentarem-se perante uma parada militar. Numa altura em que a dúvida assaltava as mentes dos europeus, a locução do Jornal Português deixa palavras de esperança e pacificação para o velho continente: “Esta viagem teve, como é notório, uma importância excepcional e, talvez, uma influência de grande peso nos destinos da paz e do mundo.”Com a invasão alemã do território polaco e o despoletar da guerra no velho continente, o presidente do Conselho declara a neutralidade portuguesa. Era unânime para muitos observadores internacionais que o sistema de defesa português da altura era
bastante limitado, sendo suficiente para manter a ordem interna, mas incapaz de suster um eventual ataque do exterior.
Elsa Santos Alípio admite que o Governo português seguiu recomendações britânicas para não entrar na guerra, evocando a aliança com a Grã-Bretanha como uma das razões para se manterneutral. “Ao fazê-lo, Salazar mostrava estar consciente de que as Forças Armadas portuguesas estavam longe de reunir as condições para poderem participar no conflito e, por outro lado, tinha ainda presente, o exemplo desastroso da participação de Portugal na I
Guerra Mundial”, conclui esta autora.
Já com a Segunda Guerra Mundial como uma inevitabilidade, o Jornal Português mantém a sua filosofia editorial de apenas se preocupar com o que é português e com o que se passa em Portugal.
Uma opção que segue o que Salazar tinha estipulado para o Secretariado da Propaganda Nacional quando este foi criado, ao considerar que o SPN se devia preocupar primordialmente com o que era nacional.
As referências ao conflito que assolava a Europa faziam-se invariavelmente através de reportagens filmadas em Portugal, quase sempre em Lisboa.
Com a Europa em guerra, a neutralidade portuguesa, para além de assegurar a sobrevivência do Estado Novo, tornava o País numa porta de entrada segura para o velho continente. “Desde que a guerra tornou inseguros os demais portos europeus, Lisboa ganhou foros de grande encruzilhada mundial. Por mar, terra e ar”, refere o locutor da reportagem Wendie Wilkie, incluída no Jornal Português nº 25, e lançada sob o título genérico de Lisboa Porta da Europa e os que a Visitam.
As características da neutralidade portuguesa permitiam a Salazar servir os interesses contraditórios dos beligerantes e, aomesmo tempo, as suas próprias conveniências. Salazar empenhava-se, acima de tudo, na continuidade do regime. Habitualmente, o discurso oficial valorizava a paz portuguesa que a neutralidade adoptada pelo regime parecia ter garantido.
Tratava-se, assim, de glorificar a posição assumida pelo Estado, o que fica bem patente, por exemplo, no Jornal Português nº 18, com a reportagem A recepção das Embaixadas Especiais no Palácio da Ajuda. A notícia foca a recepção de Carmona ao Duque de Kent e às restantes comitivas diplomáticas, muitas delas, provenientes de países que, como faz questão de sublinhar o locutor, se enfrentavam numa guerra violenta. Nas suas palavras, este era um dos mais belos capítulos da história diplomática portuguesa: “Mais nenhum país poderia permitir-se hoje a honra de reunir na mesma sala, lado a lado, representantes das nações agora inimigas entre si. Maravilhoso
prémio de uma política de verdade, de lealdade e de firmeza, que bastaria para imortalizar a figura de Salazar como Ministro dos Negócios Estrangeiros.” Um ano mais tarde a narração da notícia As sociedades de recreio e clubes desportivos aclamam Salazar refere que o “homem que tem conservado Portugal afastado da poeira da guerra” tinha sido “aclamadíssimo”.
Ao longo do conflito o Jornal Português vai aproveitando para salientar a utilidade, não só para o País, como para a comunidade internacional, da neutralidade portuguesa.Na reportagem Troca de Diplomatas em Lisboa, incluída no Jornal Português nº 32, ouve-se por parte do narrador que “a posição estritamente neutral do nosso país e o seu prestígio no estrangeiro
fez com que Portugal fosse escolhido” para aquela que era considerada uma cerimónia “característica dos nossos agitados tempos”.
No Jornal Português nº 34, a locução da notícia Lisboa, porto de transbordo para o reabastecimento da Suiça volta a realçar os aspectos positivos da neutralidade portuguesa: “Um dos fenómenos mais curiosos desta guerra é o facto de ter dotado a Suiça, país sem portos de mar, nem contacto directo com ele, de uma importante frota mercante. Graças às boas relações existentes desde sempre entre os dois estados neutros. Lisboa é o principal porto dos navios suíços.”
Em 1944, o Jornal Português torna a afirmar, através a reportagem Troca de beligerantes em Lisboa que, “graças à impecável neutralidade portuguesa”, pôde efectuar-se a troca entre cidadãos alemães e brasileiros que se encontravam detidos nos campos beligerantes contrários.
Salazar procurava concretizar uma estratégia de neutralidade para a Península Ibérica e apostava, para isso, num bom relacionamento com a vizinha Espanha.
Em 1940, o Jornal Português nº 14 refere a cerimónia que ocorre na Embaixada de Espanha para a entrega do Grande Colar dos Flechas Vermelhas, oferecido por Franco ao general Carmona, numa demonstração de solidariedade e entendimento perfeito entre as duas nações peninsulares. Ainda neste número do Jornal Português, a reportagem A visita oficial da Esquadra Espanhola a Lisboa (cruzador Canárias e mais quatro contra-torpedeiros) destaca a forma
como a população vitoriava os marinheiros espanhóis – apesar dessa
imagem de saudação ser mais criada pela narração do que propriamente observada pela câmara – que entravam no porto da capital, naquela que era “mais uma prova da amizade que estreita as relações entre os dois países vizinhos”.
Embora tivesse surgido já numa fase final da Guerra Civil de Espanha, o Jornal Português nunca fez muitas referências objectivas ao conflito no país vizinho. Porém, as alusões ao conflito espanhol não eram isentas de um forte cariz ideológico. O Jornal Português nº 17 reconhece a intervenção de militares portugueses na guerra espanhola ao lado dos rebeldes nacionalistas. Numa data consagrada ao Exército português, a reportagem As comemorações do 28 de Maio aborda a condecoração dos combatentes da guerra de Espanha e transmite uma mensagem pró-franquista, baseada no combate anticomunista: “Os novos oficiais reafirmaram a sua dedicação à pátria e a sua fidelidade ao governo do Estado Novo. O sr. presidente da República condecorou com altas distinções os heróis portugueses da guerra de Espanha, combatentes da civilização contra o comunismo internacional”, afirma o locutor. Um ano mais tarde, em 1941, a narração da notícia O XIII desafio entre Portugal-Espanha volta a reconhecer e a aclamar a participação portuguesa no conflito do país vizinho, “onde os portugueses tiveram tão heróica e eficaz interferência”.
Dois anos mais tarde, o Jornal Português nº 31 exibe a única notícia – das cerca de quinhentas que produziu entre 1938 e 1951 –sobre uma visita de Estado do presidente do Conselho ao estrangeiro.A entrevista de Sevilha (1942) reflecte a importância de Espanha na política externa portuguesa e, ao mesmo tempo, demonstra a proximidade ideológica entre os dois países vizinhos. As imagens cedidas pelo noticiário Foz Movietone ao SPN, continham aquela que era a «única reportagem cinematográfica da histórica entrevista de
12 de Fevereiro de 1942 entre o generalíssimo Franco e o doutor
Oliveira Salazar».(http://viriatosmilitaria.blogspot.com/2011/12/visita-de-salazar-sevilha-1942.html)
O encontro serviu para que os dois estadistas discutissem as implicações da guerra na sua política interna e externa.Entretanto, um ano depois de Salazar visitar Franco em Sevilha, edita-se o Número Especial dedicado à visita do Ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha, general Conde de Jordana a
Portugal. Esta reportagem mostra, uma vez mais, quão profundos são os laços políticos que unem os dois estados ibéricos. Como relata o Jornal Português nº 3644 em A chegada a Portugal, aquela era a resposta à visita de Salazar a Espanha, pelo que se iniciava, assim,“mais uma gloriosa jornada para a história da diplomacia portuguesa contemporânea”.
O locutor fala da presença do corpo diplomático na recepção que o chefe do Estado oferece em Belém como sendo o reconhecimento da política de paz empreendida pelos governantes da península, uma “homenagem àqueles que têm sabido manter-se arredados da catástrofe irreparável da guerra. Portugal e a Espanha verificaram assim que estão no bom caminho. Os ódios alheios não chegam até nós e não poderão corromper a política de amizade e não-agressão firmada no tratado peninsular de 17 de Março de 1939.”
Fernando Rosas recorda que o «Bloco Ibérico» foi anunciado após a solene visita do conde de Jordana a Lisboa, numa altura em que a Espanha franquista corria contra o tempo, “na tentativa de, via bons ofícios portugueses, evoluir da «não beligerância» para a neutralidade”. Para César de Oliveira, a visita do responsável espanhol a Portugal permitiu consolidar a estratégia de uma Península neutral. Este autor lembra que é do Conde de Jordana a expressão pacto ibérico para exprimir a aliança e a colaboração luso-espanhola.
No entanto, a propaganda à aliança ibérica não falava só do presente e antecipava um futuro conjunto, que deveria garantir a sobrevivência dos dois regimes após a guerra. Na reportagem O almoço no Paço de Sintra, o narrador sublinha que a constituição de um bloco peninsular, “baluarte da paz num mundo em guerra”,garantia que “depois da gigantesca contenda alguma coisa de estável prevalecerá, assegurando a possibilidade de tornar melhor a vida de amanhã” .
Esta relação de boa vizinhança continuaria a manter a sua visibilidade cinematográfica no Jornal Português, tanto durante a guerra como após o seu fim.
Soberania e subsistência: a vivência de uma guerra de que se fala mas que não se vê
A reportagem cinematográfica que mais próxima esteve da realidade de violência do conflito apareceu no Jornal Português nº 13.Em A tripulação do vapor holandês “Arendskerk” torpedeado no Atlântico (51), a propósito de um ataque perpetrado por um submarino alemão, ouve-se da locução que “a guerra do mar continua a fazer muitas vítimas”. As imagens desta notícia, mais viradas para osmembros da tripulação (imagens que podem ter leituras variadas,uma vez que não há a inclusão de testemunhos pessoais), não são,
no entanto, representativas dessa violência, dando a entender que se estava perante um facto consumado e distanciado no tempo, sem a carga emotiva transmitida pela proximidade dos acontecimentos.
Aquela foi a uma das poucas alturas em que as imagens do Jornal Português mais se aproximaram da violência da disputa.
Habitualmente, nas notícias do Jornal Português apenas se ouviam referências muito longínquas ao conflito. Ainda assim, qualquer situação era boa para lembrar que Portugal permanecia imune à violência.
Em O “Te Deum da Sé”(52) o locutor explica que, “ao desencontro do mundo as trombetas e os tiros que, desde esse dia, têm soado em Portugal são sinais de festa, salvas de paz”. Em 1941, uma outra notícia de âmbito religioso, O dia da Santa Padroeira (53), refere o facto de em todas as igrejas portuguesas se ter implorado a bênção divina para o “nosso país que tem desfrutado a tranquilidade de uma paz bem ganha, enquanto outros povos menos felizes se debatem com os horrores da guerra”.
(51) Jornal Português nº 13 (1940).
(52 )Jornal Português nº 17 (1940).
(53) Jornal Português nº 24 (1941).
De uma maneira geral, todos os acontecimentos recolhidos em película serviam para transmitir uma sensação de serenidade e segurança à população.
Em O Grande Roseiral de Lisboa está em Flor, filmado no Jardim Zoológico da capital, as imagens de flores e de crianças a brincarem transformavam um simples espaço de lazer num “emblema da paz e da tranquilidade portuguesa, oásis abençoado por Deus nesse deserto de ferro, sangue e fogo que é agora o mundo”, refere o narrador.Um ano mais tarde, através de A X Exposição de Aves Canoras e Ornamentais pode-se ouvir que “tais certames pacíficos dão bem a nota da nossa abençoada tranquilidade. Bastava isso para que os
registássemos com satisfação no Jornal Português.”
Todavia, o sossego apregoado no Jornal Português também era perturbado pelas dificuldades que o conflito impunha ao país. Mesmo que a destruição causada pelos bombardeamentos estivesse a muitos quilómetros de distância outros problemas afectavam a sobrevivência dos portugueses. As dificuldades económicas e a falta de géneroseram um sério entrave à ideia de estabilidade económica e de paz social que o regime proclamava como resultado da posição neutral assumida por Portugal.
Numa economia fortemente dependente do exterior no que concerne a bens alimentares, combustíveis e matérias-primas industriais, a nação não resistiria aos efeitos do bloqueio económico.
A partir de 1941, a escassez de géneros essenciais e a inflação atingiram níveis preocupantes, tornava-se cada vez mais difícil garantir a auto-suficiência alimentar e a estabilidades dos preços. O descontentamento popular tendia a aumentar.
Na reportagem Uma Campanha Nacional Produzir e Poupar, o Jornal Português faz pela primeira vez uma alusão directa à necessidade de se fazer um bom aproveitamento dos recursos existentes, de maneira a garantir a subsistência do país em tempo de conflito: “A economia de guerra impõe a todos os países, mesmoàqueles que como o nosso se encontram em rigorosa neutralidade, e em paz, a consciência da anormalidade do momento que passa. Essa anormalidade impõe regras. Em Portugal deve soar o mesmo grito.
Produzir e Poupar, em qualquer nesga de terra”, entoa o locutor. Esta preocupação com a utilização racional dos recursos pode-se encontrar, por exemplo, numa reportagem tão pouco politizada como O Concurso de Cavaleiros e Equipagens no Estoril na qual o locutor refere que aquele até é um concurso cuja “escassez de gasolina plenamente justifica”.
O Estado sentia a necessidade de velar pela regulação autoritária dos abastecimentos. Representada como “arquétipo da alegada superioridade do
modelo corporativo”, a campanha do bacalhau foi, no âmbito das pescas, aquela que recebeu mais atenção por parte do regime e,como diz Álvaro Garrido, o programa de fomento que mais cedo se converteu num dos eixos estabilizadores do próprio sistema.
Das 9 notícias que o Jornal Português apresenta sobre a pesca do bacalhau, uma ocorre em plena Guerra Civil de Espanha e 8 nos anos da Segunda Guerra Mundial e do pós-guerra (5 reportagens entre 1940 e 1945, 1 em 1947 e 2 em 1948).
Logo no começo da Segunda Guerra Mundial os barcos que pescam na Terra Nova passam por sérias dificuldades para exerceram a sua actividade. A circulação de comboios de abastecimento das forças aliadas e de submarinos alemães tornavam a tarefa dos bacalhoeiros portugueses demasiado arriscada. A neutralidade portuguesa não parecia ser o suficiente para proporcionar a segurança que os navios de bandeira portuguesa pretendiam e
necessitavam.
Em 1942, os lugres Maria da Glória e Delães chegaram mesmo a ser torpedeados. Importa dizer que qualquer um destes dois episódios, ocorridos em Julho e Setembro de 1942, nunca foi abordado pelo Jornal Português. Interessava à propaganda oficial manter a ideia de que a neutralidade portuguesa – enaltecida ao longo de uma grande parte das reportagens produzidas pelo Jornal Português durante a Segunda Guerra Mundial, e até mesmo no pósguerra– só trazia benefícios à nação, algo que, inevitavelmente, não ficava provado com nenhum daqueles incidentes.
Entre 1939 e 1945, anos de guerra no velho continente, o Jornal Português foi um veículo privilegiado da ideia de renascimento da nação, tantas vezes defendida pelo Estado Novo. Mais do que nunca, a ideia de soberania do Estado ocupava especial destaque na mensagem propagandística do regime.
Quando, em 1940, o Estado Novo decidiu celebrar a fundação da Nacionalidade (1140) e a Restauração (1640) através da Exposição do Mundo Português, o regime pretendia dar os sinais de estar a trabalhar para que, em caso de necessidade, Portugal estivesse, de novo, em condições de defender a sua independência e de resistir às pressões das demais potências internacionais. Para César de Oliveira, os objectivos políticos associados à exposição e às comemorações eram evidentes: o Estado Novo queria afirmar, no quadro da crise europeia e da Segunda Guerra Mundial, a independência portuguesa e o seu “nacionalismo não agressivo, moral, ético e histórico”.
O medo de que a guerra ultrapassasse as fronteiras e chegasse ao território nacional, quer ao continente, quer às regiões autónomas e colónias, levou o Executivo a investir na modernização das Forças Armadas, não só numa tentativa de dissuasão externa, mas também para aumentar os índices de confiança da população que, assim, se sentiria mais segura, já que, em termos de poderio bélico, os militares não estavam em condições de garantir a defesa nacional.
Após a capitulação da França, em 1940, a ameaça nazi estava às portas da Península Ibérica e, consequentemente, de Portugal. Os dados estratégicos do conflito tinham-se alterado e a guerra estava,agora, demasiado perto.
No final de 1940, Salazar chega mesmo a iniciar negociações com a Inglaterra para assegurar o apoio e a protecção dos ingleses na eventualidade de um ataque alemão ou espanhol. Tratava-se da criação de um plano de retirada do governo português para os Açores e a posterior defesa do arquipélago.
Estava demonstrada a total inoperância das Forças Armadas portuguesas para lidarem com tal desigualdade militar. Contudo, durante o período que abarca a Segunda Guerra Mundial, o novo exército português aparece em inúmeras edições do Jornal Português.
Reflexo propagandístico da reforma das Forças Armadas levada a cabo pelo Estado Novo a partir de 1937, a instituição militar é hipervalorizada pela propaganda oficial. O Estado tenta incutir na população a ideia de que o país possui meios militares capazes de garantirem a defesa do seu território.
Nos primeiros anos da década de quarenta, o Jornal Português começa a ter mais notícias sobre as Forças Armadas e a sua modernização. Esse percurso começa a ser notório em reportagens como A Inauguração da Base Aérea nº 2 na OTA62, Os Exercícios Militares de 194063, O Dia da Marinha, Juramento de Bandeira na Escola Naval, Mais um Navio de Guerra Português, Uma Festa no
Regimento de Cavalaria 167, Na Base da OTA Uma Parada das Força Aéreas.
Os principais esforços de mobilização e de manobras militares efectuados pelo Governo português durante a Segunda Guerra Mundial centraram-se nos Açores.
A preocupação em assegurar a independência e soberania do território nacional, nomeadamente dos estratégicos arquipélagos atlânticos, que eram objecto de assédio por parte dos beligerantes,fica bem marcada em duas notícias que o Jornal Português produz em 1941.
Na primeira reportagem, Mais tropas portuguesas para os Açores, a narração não esconde que as tropas nacionais que vão para o arquipélago o fazem com objectivos legítimos: “No pleno uso do seu direito de soberania e em defesa da sua rigorosa posição de neutralidades perante a guerra actual, o governo português continua a mandar para os Açores contingentes de tropas admiravelmente preparadas e equipadas.”
O regime recorria às suas principais figuras para marcar uma posição institucional no domínio e na defesa do espaço em que se afirmava soberano. O território insular volta a ser alvo de atenção numa edição especial do Jornal Português dedicada à viagem do Chefe de Estado àquele arquipélago. Uma “viagem de soberania” realizada, como se pode ouvir nas palavras do locutor, “num momento de particular importância nacional e internacional em que a
paz e a neutralidade portuguesa são, para o mundo, magníficos sinais do nosso ressurgimento”. A reportagem do Jornal Português nº 29 mostra imagens da população a aclamar o general Carmona e a empunhar letreiros que dizem, entre outras coisas, «Aqui é Portugal» ou «Aqui é também Portugal». Esta “viagem oficial de soberania aos territórios extra-metropolitanos”, como é qualificada pelo narrador,não esquece a presença das forças expedicionárias que ali se encontram para proteger “Portugal em todos os recantos do seu território”. O texto da locução é bem claro quanto ao assédio estrangeiro, e deixa um aviso: “Eles saberão, se assim for necessário,
defender a Pátria das cobiças alheias.” Sucessivamente ameaçado de ocupação por ingleses,americanos e alemães, o arquipélago do Açores foi sempre uma das preocupações do salazarismo.
No entanto, persistia o problema da preparação e apetrechamento de umas Forças Armadas que no final dos anos trinta se encontravam desactualizadas, com fardas desadequadas e armamento antiquado. O mal-estar que a situação causava entre os militares, por um lado, e, por outro, a necessidade de mostrar,dentro e fora do País, que o Estado estava plenamente envolvido na
defesa do seu território e da soberania nacional, levaram o regime a investir na renovação exército.
A partir de 1943, e do Jornal Português nº 37, começaram a tornar-se habituais as reportagens cinematográficas com referências às novas fardas e restantes apetrechos militares. Na notícia Uma revista militar ouve-se que, no desfile ordenado pelo Governador Militar de Lisboa, a população se tinha
mostrado interessada na “disciplina, equipamento e armamento do novo Exército português”. Já em O desfile do Novo Exército Português o locutor destaca que, perante adidos militares das nações acreditadas em Portugal, pertencentes a ambos os grupos beligerantes, “a maioria das unidades apresentou-se motorizada desfilando de maneira impecável”, com especial destaque para os carros de assalto, “orgulho do novo exército português”. Um exército que, como sublinha a locução, era um produto do espírito renovador
dos seus actuais dirigentes.
No número seguinte do Jornal Português o novo exército continuava a receber elogios. Juramento de Bandeira em Engenharia 2 não poupa adjectivos com a narração a destacar que, como é timbre do novo exército português, este se tinha apresentado magnificamente equipado em formação impecável, causando “aquela excelente impressão que devem produzir em tempo de paz as milícias guerreiras”.
Em Lisboa. O Novo Exército Português Desfila na Avenida (1944) está entre as notícias que mais se dedicam a abordar a modernização das Forças Armadas nacionais. Apesar da guerra na Europa se aproximar do fim, vivia-se ainda um “momento em que a voz das armas fala alto”, recorda a narração. A presença dos adidos militares das missões diplomáticas acreditadas em Portugal era o suficiente paraque se continuassem a ouvir as referências ao conflito, até porque,como se pode ouvir, “a sua presença em terra neutra e amiga reuniuos
ali em pé de igualdade”. Ao longo do desfile das tropas que representavam o contingente do novo exército português, o locutor vai explicando as razões para que, pela segunda vez no decurso de um ano, a Avenida da Liberdade tenha visto passar as “formações impecáveis do novo exército português”. Nesta reportagem, a linguagem propagandística a favor do regime e do seu empenho na renovação da instituição militar, numa altura em que os ventos de guerra ainda sopravam, é clara: “A obra de Salazar não podia deixar
para trás este sector fundamental da vida portuguesa e muito menos num momento em que a voz das armas fala alto. A salvaguarda da nossa neutralidade consciente, fiel a todos os compromissos anteriores, mas demonstrativa do nosso cristianíssimo anseio de paz universal assim o exigiu. E o país vê com orgulho o esforço feito e admira os resultados.”
Não passa despercebida a diferença em relação ao passado, que é crucificado em prol de um presente disciplinador (desde as fardas à forma de marchar, desde a disciplina ao armamento). A locução de Em Lisboa O Novo Exército Português Desfila na Avenida não poupa a comparação com outros tempos, dizendo que estava tudo “completo e em perfeita ordem, nada tem de comum com aquilo com que estávamos habituados”.
No entanto, a renovação e manutenção de um Exército que vivia na expectativa de um dia ter de pisar o teatro de guerra pesou de uma maneira significativa na situação financeira do Estado. As despesas com a defesa durante a guerra originaram uma sucessão de saldos efectivos negativos nas contas públicas.
Com o fim do conflito e a vitória dos Aliados acabavam também as tréguas da instituição militar, voltando a agitação aos quartéis e ao espírito de muitos oficiais das Forças Armadas, dando lugar a movimentações para derrubar Salazar, muito particularmente, no ciclo compreendido entre 1944 e 1947. Às divergências políticas entre as duas partes juntavam-se outros argumentos, nomeadamente o congelamento dos aumentos do funcionalismo civil e militar face à subida do custo de vida, ou a política de colocações e promoções, situações que tornavam a instituição militar permeável a actos de aliciamento conspiratório. Certos sectores das Forças Armadas até aí leais ao regime começavam a ver com bons olhos uma mudança na governação.
No final de 1944 o Estado Novo viveu momentos de sobressalto. A insatisfação da instituição militar parecia estar a atingir o ponto mais alto. O descontentamento dos oficiais pelo anunciado não aumento dos ordenados do funcionalismo civil e militar levou ao ressurgimento de um sentimento conspiratório que abarcava diversas facções do Exército.
É interessante notar que o Jornal Português, em 1944, tinha produzido quatro notícias com referências às Forças Armadas, enquanto que, em 1945 apenas produziu uma reportagem relativa à instituição militar.
Receando que os militares pudessem reactivar a conspiração, e com as manifestações populares a acontecerem um pouco por todo o País, o regime vê-se obrigado a passar do embaraço para a acção. Entre os eventos realizados para o efeito, sobressai a manifestação de agradecimento a Salazar pela paz, convocada pela Associação Central de Agricultura e organizada pelo
Ministério do Interior. A propósito deste acontecimento, em 1945 é produzido um número especial do Jornal Português intitulado A Manifestação a Carmona e a Salazar pela Paz Portuguesa. O registo de som directo através da Companhia Portuguesa de Filmes, algo que raramentem acontecia, dá a noção da importância desta manifestação para a propaganda cinematográfica do regime. A mensagem do locutor é clara: “O que então se passou ninguém pode contar melhor que o cinema, pois basta ver e ouvir.”
Nem a vitória dos estados democráticos sobre as ditaduras levavam Salazar a prometer mudanças. Se é verdade que a conjuntura democrática internacional obrigava a ligeiras concessões, também não é menos certo que nada de essencial na natureza política do regime se alteraria. O Estado Novo preferia, isso sim, realçar determinados aspectos da sua actuação durante o conflito
mundial. A neutralidade, que tinha permitido a Portugal manter-se a salvo da guerra e manter as suas antigas alianças, era o trunfo da propaganda oficial.
“No dia 19 de Maio, representantes de todos os municípios portugueses foram ao Palácio de Belém cumprimentar o chefe do Estado e manifestar-lhe a sua gratidão”, lembra o narrador, ao explicar que, “ o povo português tinha uma dívida em aberto desde que aquele triste mês de Setembro de 1939, em que a guerra voltou a assolar o mundo e Portugal saiu ileso de tremenda catástrofe sem menor quebra dos seus compromissos seculares, sem a menor beliscadura na sua honra nacional. O povo português quis pagar essa dívida e fê-lo galhardamente, como costuma.”
Antes das atenções se virarem para o líder da Nação, um orador – que o Jornal Português não identifica – faz um pequeno discurso de consagração do chefe do Governo: “A nação portuguesa aqui representada, em todas as suas actividades e organismos, vêm afirmar-vos, hoje, a sua profunda gratidão, porque soubestes prever de longe as calamidades que ameaçavam o mundo e preparar e fortalecer o país para vencê-las. Porque, chegados os tempos difíceis, defendestes no meio de tantas contrariedades e perigos, com a ajuda
da Providência, a honra e a integridade da nação.”
Apesar de “aquilo a que alguém chamou o nosso milagre” ser atribuído a Carmona e a Salazar, é ao presidente do Conselho que a locução imputa a maior responsabilidade pela salvaguarda da nação portuguesa.
Figura central da propaganda do Estado, o discurso pronunciado por Salazar – pelo menos a parte que foi utilizada na montagem –pôde ser ouvido no Jornal Português, uma verdadeira raridade na época e, muito particularmente, neste noticiário cinematográfico.Razão suficiente para a sua transcrição:
“Não sei como agradecer-vos esta manifestação tão carinhosa,tão sincera, tão desinteressada, mas tão pouco merecida. Assim penso, e, no entanto, não hesitei nem me eximi a este acto. Porquê?
Era bem que vivêssemos juntos o momento de satisfação patriótica depois dos perigos a que todos estivemos sujeitos e nos horrores que muitos houveram de sofrer. Era bem que eu pudesse agradecer,como homem de governo carregado de responsabilidades, a vossa parte da tarefa, a parte maior de trabalho, de ordem, de disciplina, de sacrifício, durante os maus anos passados. Era bem que se pudesse ver, não à volta de um homem, de um governo, ou de um regime, mas de um princípio de independência, fidelidade e honra nacional, neste momento inolvidável.”
Ao longo da reportagem ficam as imagens do líder posicionado numa janela do ministério, a uma altura razoável do nível da rua, acenando para baixo, para uma multidão que o parece venerar. A narração é de glorificação do líder e de exaltação pelo ambiente vivido: “Quando entoou o hino nacional era bem Portugal agradecidoque cantava dando graças a Deus. Apesar da chuva, a multidão aplaudiu largamente, interminavelmente, o homem que a poupou aos
horrores dos bombardeamentos, da ocupação estrangeira, da destruição e da carência de tudo. Portugal escrupulosamente e honrosamente neutro, que não teve o seu dia V, teve o seu dia S. O dia da paz portuguesa. O dia de Carmona e Salazar".
Pós-guerra e representação do alinhamento
A durabilidade de Salazar e do Estado Novo acabaria por ser posta à prova quando o regime demonstrou alguma relutância em aceitar duas solicitações que os Aliados consideravam politicamente vitais: o pedido de concessão de facilidades militares para a Grã-Bretanha nos Açores, em 1943, e a exigência do embargo da venda de volfrâmio aos Alemães, no ano seguinte. O chefe do Governo acabaria por ceder em qualquer uma destas duas matérias,começando a garantir, a partir daí, a manutenção do regime. Apesar de relevante, a questão do volfrâmio, demasiado sensível para a diplomacia portuguesa, nunca chegou a receber qualquer tipo de atenção nas edições do Jornal Português, nem sequer numa abordagem de teor meramente económico. O mesmo se passava com a questão do arquipélago açoriano.
Com a Segunda Grande Guerra a caminhar para o seu final, alterava-se uma parte significativa da estratégia de alianças engendrada pelo Estado Novo durante os períodos de conflito.
Acabada a neutralidade, que noutras alturas tinha permitido a continuidade do regime, os responsáveis pela política externa tinham de escolher, também por razões de sobrevivência, os seus aliados do lado dos vencedores.
Internacionalmente, com os Americanos às portas da Europa, a
estratégia dos Aliados na Península Ibérica, e, consequentemente, as suas relações com os regimes de Salazar e de Franco, sofrem algumas alterações.
Em 1944, o Estado Novo começava a perceber para que lado pendia o desenrolar do conflito. A relação de forças na nova ordem internacional começava a ser visível, também, no Jornal Português.
A notícia Em Belém. O novo embaixador dos EUA entregou as suas credenciais é pioneira na forma como o próprio Jornal Português aborda a presença da diplomacia norte-americana na política externa portuguesa. Uma alusão até então inexistente neste noticiário cinematográfico. Numa altura em que o governo dos Estados Unidos tinha transformado as Missões Diplomáticas em
Embaixadas, o primeiro embaixador dos EUA foi a Belém entregar as credenciais do seu governo ao Presidente da República. A narração do
Jornal Português deixa patente que aquela cerimónia contribuía para um “inevitável desenvolvimento das relações mútuas que de tal determinação resultará”.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e, consequentemente, com as democracias a vencerem as ditaduras, o futuro do regime estava em causa, havia que redefinir o seu posicionamento externo.
Salazar pretendia rentabilizar politicamente a neutralidade colaborante, utilizando-a como contrapartida do apoio dos Aliados à salvaguarda do salazarismo.
Em Portugal tinha-se gerado um forte movimento a favor da
democracia. Perante a convicção de que a mudança chegaria aos dois países peninsulares governados por forças antidemocráticas, a oposição democrática aproveitava os momentos iniciais de hesitação e de expectativa de um Governo remetido à defensiva para pedir eleições livres. Acreditava-se em Portugal que os Aliados iriam prosseguir um política de boicotes à semelhança da atitude tomada para com a Espanha de Franco.
As manifestações de regozijo pela vitória dos Aliados e de afirmação democrática das massas populares não foram noticiadas pelo Jornal Português. O noticiário cinematográfico oficial nem nessa altura fez qualquer tipo de alusão às vozes discordantes.
A reportagem As Comemorações do XX Aniversário da Revolução Nacional(1946) dava eco de recepções apoteóticas e entusiásticas aos líderes da nação. Três peças compõem esta notícia:
Em Braga; No Porto; Em Lisboa.
Tratava-se, como faz questão de enfatizar o narrador, de um “documentário onde as imagens são o mais eloquente testemunho das honras que se viveram em Braga”.
Pelo facto de ter sido de Braga que partiu a coluna militar que em 1926 marcharia sobre Lisboa para impor a Ditadura Militar, a capital minhota representava, simbolicamente, a capacidade de sobrevivência da ditadura. O narrador não poupa na adjectivação quando se trata de exaltar o líder da nação, explicando que, nas ruas de Braga, o povo vitoriava “delirantemente” e “largamente” Salazar.
Para além da população, a narração destaca a presença das Forças Armadas – dando a entender que um dos principais alicerces do autoritarismo nacionalista estava com o regime – na cidade de Braga: “O povo que enchia completamente a grande avenida aclamou os soldados de Portugal. O Exército português garante das mais lidimas virtudes nacionais.” Quanto à Marinha, sublinhava-se a constante lealdade desta “ao serviço do Império”.
Até 1951, ano de edição do último número do Jornal Português,as questões ligadas às Forças Armadas portuguesas continuaram a merecer a atenção das actualidades oficiais, ainda que, com o pósguerra, a sua presença nos sumários do Jornal Português fosse mais reduzida.
Perante a incerteza quanto ao novo equilíbrio de forças entre as grandes potências internacionais, o regime continuava a propagandear o orgulho do país nas suas instituições militares, com a produção de reportagens como Desfile em Lisboa do Exército Português e das Forças Expedicionárias Brasileiras, Alfeite O Dia da Marinha, A Semana da Marinha ou Os Exercícios Finais da Escola Prática de Engenharia.
Em O Dia da Infantaria a locução recorre linguagem belicista em prol da defesa da soberania – que em pleno conflito mundial se tinha tornado rotineira – ao mencionar que o desfile das unidades motorizadas “não deixou de impressionar fortemente a multidão que rodeava todo o percurso, pelo que significam de eficiência e poderio bélico, garantia inabalável da independência e do prestígio das armas nacionais”.
Igualmente em 1948, as tropas voltavam à Avenida da Liberdade como já tinha acontecido durante a guerra. À imagem do que se tinha passado nesses anos, volta-se a ouvir na narração de Lisboa Desfile Militar palavras de exaltação militarista que são secundadas pela constatação do apoio popular ao Estado Novo: “A cidade de Lisboa e a sua população tiveram, uma vez mais, a oportunidade de apreciar esta notável demonstração de força e de
organização militar que as unidades em parada tão eloquentemente afirmaram”.
Já no final da década, em 1949, o Jornal Português nº 83 torna a fazer alusão à “eficiência do nosso exército, prestigiado na sua nobre missão de garantir a paz e a independência nacionais”. Esta locução, feita a propósito das “Forças Armadas da nação tão garbosamente apresentadas” e, mais precisamente, das unidades dos regimentos motorizados da 3ª região militar, pode ser ouvida na notícia Porto Uma Parada Militar.
Um ano mais tarde, a notícia A Festa Militar do Regimento de Engenharia 1 transmite a ideia de que a modernização do Exército estava concluída: “Desta notável exibição técnica fica-nos a certeza que os militares da engenharia portuguesa estão perfeitamente aptos para as tarefas que a moderna táctica militar reclama.”
De volta ao Jornal Português, estiveram, no pós-guerra, as reportagens de esquadras navais que chegavam à costa portuguesa,só que, desta vez, pertencendo, exclusivamente, às armadas aliadas.
A presença em portos portugueses de navios da marinha britânica e da marinha norte-americana, tanto em 1946, como em 1948, tinha
um claro significado político de apoio ao Estado Novo. Uma ajuda que não era desinteressada e que acontecia numa altura em que se fazia sentir o adensar da Guerra Fria e os efeitos da bipolarização mundial.
A primeira referência, no pós-guerra, à “honrosa visita de uma divisão da heróica e nobre Home Fleet” aparece no Jornal Português nº 55 na notícia A “Home Fleet” em Lisboa. A locução falava de uma “cinzenta e fria manhã de 1946, ano de paz no mundo”, em que “o povo de Lisboa exteriorizava o seu apreço pelos bravos marinheiros da velha Inglaterra”.
Neste número, a reportagem Sua Excelência o Presidente da República visita o Couraçado Nelson lembra que, com a presença do “venerando chefe do Estado português”, o governo nacional prestava homenagem aos “heróis da Home Fleet, a esquadra de Inglaterra”.Por se tratar de uma antiga aliada, com a qual o Estado Novo pretendia manter, por motivos estratégicos, uma boa relação, a passagem da armada inglesa pela capital portuguesa esteve ainda em evidência no número seguinte do Jornal Português, através das seguintes reportagens: A “Home Fleet” em Lisboa. Uma Festa em Queluz , onde o ministro dos Negócios Estrangeiros português presta homenagem à frota inglesa; e A partida da “Home Fleet”, onde se destaca a manifestação popular dirigida aos marinheiros ingleses depois destes terem estado uma semana em Lisboa.
A armada britânica só voltará a ser referenciada no Jornal Português, em 1950, com a reportagem O Couraçado Vanguard visita Lisboa, onde se realça a realização de manobras conjuntas no Atlântico por parte dos navios da marinha portuguesa e inglesa.
Enquanto Portugal era convidado para participar no Plano Marshal/Plano Europeu de Reconstrução e na NATO, inúmeras representações diplomáticas abandonavam Madrid. Salazar empenhar-se-ia, contudo, na sobrevivência da ditadura franquista, comprometendo-se diplomaticamente na reabilitação do regime espanhol. Desalinhados politicamente com o resto da Europa
Ocidental, os dois regimes peninsulares procuram estreitar ainda mais os laços de amizade que, perante um contexto políticoideológicohostil, lhes podiam garantir a durabilidade pretendida.
Se a visita de Salazar à Galiza, em 1950, não merece qualquer tipo de referência no Jornal Português, já a visita de Franco a Lisboa um ano antes merece amplo destaque no noticiário cinematográfico oficial sob o título A visita a Portugal do Generalíssimo Franco.
A passagem do líder espanhol pela capital e por algumas cidades portuguesas do centro do país foi filmada pela SPAC e editada em três números do Jornal Português inteiramente dedicadosa esta visita.A visita a Portugal do Generalíssimo Franco mostrava unicamente o dia da chegada (22 de Outubro), onde desembarcou no Cais do Terreiro do Paço, sendo recebido, entre outros, por Salazar, Carmona e o cardeal patriarca de Lisboa. As imagens são de uma recepção calorosa por parte da população de Lisboa. No celulóide ficou também retida a presença do ditador espanhol no Palácio de
Queluz, onde almoçou e ficou a descansar, para durante a tarde se deslocar ao Palácio de Belém e aí ser recebido por Carmona. A terminar o primeiro dia, Franco visitou a Câmara Municipal de Lisboa.
Em A visita a Portugal do Generalíssimo Franco o Jornal Português mostra o segundo, o terceiro e o quarto dias da visita (23,24 e 25 de Outubro). O dia 23 ficou marcado pela presença de Franco e de Salazar no Campo Pequeno, onde assistiram a uma Tourada à Antiga Portuguesa. As imagens captadas na altura voltam a dirigir os olhares dos espectadores para as manifestações de apoio popular aos líderes. Do dia 24 ressaltam as imagens da passagem do
Generalíssimo por Mafra (Convento) e por Sintra (Palácio da Vila e Castelo da Pena). A terminar, o nº 87 do Jornal Português podem-se ver imagens do dia 25 de Outubro, quando Franco se dirige para o Luso em comboio especial, seguindo para o Buçaco (Hotel do Buçaco) e para Coimbra onde o ditador espanhol recebe o título Honoris Causa na Universidade de Coimbra e onde é notada a presença do Cardeal Patriarca de Lisboa.
A visita a Portugal do Generalíssimo Franco reúne o quinto e o sexto dia da visita (26 e 27 de Outubro). No dia 26, as imagens da revista de actualidades levam o espectador a acompanhar a passagem do líder espanhol por Fátima (Santuário), Leiria (Castelo),Batalha (Mosteiro) e Alcobaça (Convento). O último dia (27) é o da Partida de Franco para Madrid. No Aeroporto da Portela, para onde foi acompanhado por Salazar, Franco era aguardado por Carmona. Um momento em que o locutor do Jornal Português aproveita para classificar a visita de Franco a Portugal como um “símbolo da fraterna amizade que une Portugal e a Espanha. Inestimável penhor de perenidade da civilização cristã e ocidental.”
Ainda que Salazar não nutrisse, como era do conhecimento geral, uma grande amizade pelo imperialismo americano, como aliás fazia questão de referir, a verdade é que no Jornal Português nº 55, emitido em 1946, a reportagem Visitantes Ilustres O Cardeal Spellman narra que a homenagem prestada pelo cardeal patriarca de Lisboa ao Arcebispo de Nova Iorque é a demonstração da grande admiração do governo e do povo português pela “grande nação americana”. Ficava claro nesta reportagem que Estado e Igreja partilhavam uma grande cumplicidade nos destinos da nação, até mesmo na sua política externa.
A reportagem intitulada A visita da Esquadra Americana marca o Jornal Português nº 62, por ser a primeira a referir a presença de topas americanas em Portugal. Uma visita de cortesia e homenagem onde se destacam, não só os cumprimentos apresentados ao chefe do Estado pelo almirante americano, como também a apresentação, em plena Assembleia Nacional, das cordiais
saudações do governo dos Estados Unidos ao presidente do Conselho.
A “amigável visita” que as forças navais americanas fizeram a Portugal era vista com naturalidade, já que, como sublinha o locutor, Portugal foi um país que, “nos anos calamitosos da guerra soube cumprir lealmente, dignamente, o seu dever”. A locução enaltece o ambiente de concórdia que, supostamente, existia entre os dois países, referindo não só que os marinheiros norte-americanos desfilaram pelas ruas da capital “perante as vibrantes aclamações da população”, como também que “a Torre de Belém, glorioso testemunho do glorioso passado das conquistas portuguesas, recebe o eco das salvas de homenagem que do grande porta-aviões se disparam”.
Até 1951, quatro reportagens voltam a mencionar a principal potência ocidental. Em 1948, A visita a Lisboa do Comandante das Esquadras Americanas do Atlântico e Mediterrâneo113 serviu, como realça o narrador, para “evidenciar, uma vez mais, a grande simpatiaque une os dois povos e os seus marinheiros”, uma ideia repetida em Unidades da Esquadra Americana do Atlântico Oriental e do Mediterrâneo visitam Lisboa, onde se pode ouvir que, “desta forma, uma vez mais, se reforçou a tradicional amizade existente
entre as duas nações atlânticas”.
Dois anos mais tarde, os ecrãs das salas de cinema voltavam a ter nas suas telas mais notícias dedicadas às visitas de cortesia da marinha dos Estados Unidos. Em A substituição das Forças Navais Norte-Americanas em serviço no Mediterrâneo efectuou-se em Lisboa acentua-se que “esta visita de serviço e de cortesia deu ensejo à maior concentração de forças navais até agora registada no estuário do Tejo, e permitiu, igualmente, que os marinheiros norteamericanos admirassem, uma vez mais, Lisboa”. Perante um contingente militar tão elevado, a narração faz questão de mencionar que “a população de Lisboa não escondeu a sua viva simpatia e admiração pelos bravos marinheiros norte-americanos”. Com uma atitude diplomaticamente correcta, o Jornal Português reflectia a ideia de que os Estados Unidos eram, de facto, um aliado sumamente importante para a continuidade do Portugal salazarista.
Ainda em 1950, a notícia O General Eisenhower em Lisboa parecia não deixar dúvidas quanto ao valor da nova aliança atlântica:os vencedores, na figura de um dos responsáveis militares pelavitória na Segunda Guerra Mundial, reconheciam a legitimidade de um regime autoritário, semelhante àqueles que tinham ajudado a derrotar cinco anos antes. Já não havia dúvidas, com a Guerra Fria a conjuntura internacional tinha mudado.
A visita a Lisboa do comandante-chefe dos exércitos da Europa Ocidental, general Eisenhower, era uma daquelas visitas que permitia melhorar a imagem do regime perante a comunidade internacional, tanto mais que acontecia depois do “grande militar”, como aparece referenciado nesta reportagem, ter percorrido algumas capitais de países do Pacto do Atlântico Norte. O narrador recorda que na visita a Portugal, “um dos países do Pacto Atlântico”, Eisenhower esteve com Salazar em S. Bento e com Carmona no Palácio de Belém, tendo recebido no fim da sua breve visita a Lisboa uma “calorosa
manifestação de milhares de pessoas” que acorreram ao aeroporto da Portela para o saudarem no momento em que partia para Roma.
Daquilo que o militar norte-americano terá dito às autoridades nacionais só se sabe pelas palavras do locutor que “o nosso ilustre hóspede manifestou o seu enorme regozijo por visitar Lisboa e a sua enorme gratidão pela fidalga hospitalidade que encontrou em Portugal”.
César de Oliveira admite que à assinatura do Acordo de Defesa entre Portugal e os EUA, em 1951, que incidia particularmente sobre a utilização da Base das Lajes, na Ilha terceira, não foi estranha a deslocação do comandante supremo das forças da NATO, general Dwight Eisenhower, a território português. A desconfiança que o presidente do Conselho nunca tinha escondido ter em relação aos EUA tendia a desvanecer-se com a constatação de que era aquele
país quem liderava o mundo ocidental. A sobrevivência do Estado Novo impunha, uma vez mais, ao regime que se adaptasse às condições políticas da comunidade internacional.
Depois de no pós-guerra ter recebido a visita das divisões navais de Inglaterra e dos Estados Unidos da América chegava ao Jornal Português a primeira e única reportagem sobre unidades da marinha de guerra francesa sob o título A visita do cruzador francês “Richelieu”118. Trata-se de uma embarcação que o locutor considera como “um dos mais famosos navios de guerra do mundo e símbolo da grandeza eterna da França”. O texto desta notícia deixa
transparecer alguma cordialidade para com o novo aliado: “Esta visita do couraçado francês serviu para demonstrar, uma vez mais, os sentimentos de amizade que unem as duas pátrias europeias, ambas portadoras de mensagens de civilização e cultura.”
Contudo, um velho aliado da vertente política autoritária e antidemocrática continuava a ter lugar cativo nas edições do Jornal Português, a notícia Vida diplomática. O Novo Embaixador de Portugal em Espanha é disso exemplo.
A proximidade entre os dois estados peninsulares nunca deixou
de estar presente no discurso oficial, onde se continuava a fazer a apologia dos regimes opressivos. Na reportagem Na S. N. Belas Artes. Exposição do Livro Espanhol, Carmona proferiu, segundo a narração do Jornal Português, “palavras de alto apreço pela nação amiga, pelo seu chefe e pela mensagem espiritual que a Espanha conduz pelo mundo”.
Se as lembranças do passado ainda estavam presentes nos conteúdos do Jornal Português, os anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra trouxeram aos sumários deste noticiário cinematográfico novas realidades. Entre elas destacam-se duas: os navios com repatriados vindos de Timor e a chegada de crianças austríacas a Portugal, a convite da Caritas.
À “capital do nosso glorioso império” chegavam, em 1946, “os portugueses de Timor que teimaram em defender a soberania portuguesa, guiados pelo amor pátrio e pela bandeira verde rubra” afirmava em tom patriótico a narração da notícia Chegada a Lisboa dos repatriados de Timor.
Pouco tempo depois, quem aportava na costa portuguesa vindo de Timor era o contingente militar da Forças Expedicionárias ao Extremo-Oriente, vítima das invasões nipónicas, como destaca o narrador do Jornal Português na notícia Chegou o “Quanza” de regresso de Timor.
A questão timorense só em 1946 começou a ser falada no Jornal Português, contudo, em 1941 e 1942 Timor já tinha sofrido duas invasões. Inicialmente por tropas holandesas e australianas e, um ano mais tarde, por tropas japonesas. Entretanto, a partir de 1948, e do Jornal Português nº 73, aparecem as primeiras imagens de um outro percurso.
A convite da Cáritas Portuguesa, centenas de crianças que sentiram a violência da guerra chegavam a Portugal.
Notícias como Crianças da Áustria em Portugal , 400 crianças austríacas vêm passar férias a Portugal, Mais mil crianças austríacas chegam a Lisboa ou Chegou a Lisboa o último turno de crianças estrangeiras que vêm gozar férias em Portugal, referem a chegada de crianças que “depois de tanto terem sofrido bem merecem agora carinho e sossego”.
Nos anos que se seguiram ao conflito mundial, a não participação de Portugal na guerra era aproveitada pela propaganda oficial como um trunfo do regime, já que, como sublinha a locução de Crianças da Áustria em Portugal, o país continuava a ser uma “terra de paz e de alegria” .
Em 400 crianças austríacas vêm passar férias a Portugal a mensagem continua a ser de exaltação da estabilidade social em que, supostamente, o país vivia: “A nossa terra continua a ser um tranquilo refúgio para as crianças que em outras nações conheceram os horrores da guerra. A Caritas não poupa esforços para trazer a Portugal estas crianças enfraquecidas que durante meses vão rir e brincar com alegria, ao mesmo tempo que poderão renovar a saúde”.
Em 1950, o Jornal Português noticiava a derradeira destas viagens ao emitir a reportagem Chegou a Lisboa o último turno de crianças estrangeiras que vêm gozar férias em Portugal. De uma forma subtil, o locutor recorda aos mais esquecidos que, enquanto a Europa tinha vivido confinada ao pânico da guerra no início dos anos 40, Portugal soubera evitar uma tal calamidade: “Esta nobre iniciativa permitiu que estas pequenas crianças checas, gregas, polacas,
romenas e húngaras, e que viveram em campos de concentração, vivam agora nos campos livres de Portugal, onde vão colher às braçadas a flor das novas esperanças. Uma flor que se dá muito bem na terra portuguesa.”
Para os simpatizantes do regime, o obreiro da paz portuguesa só podia ser um: Salazar. A mensagem de glorificação do homem que tinha conservado Portugal “afastado da poeira da guerra” foi, por mais do que uma vez, veiculada no Jornal Português durante o conflito. Alguns anos após o fim da contenda internacional, a veneração do líder voltava a fazer parte da linguagem propagandística do jornal de actualidades da SPAC.
As mulheres portuguesas gratas a Salazar é um bom exemplo da forma como o aparelho de propaganda do Estado se preocupou em acalentar, ao longo dos anos, o mito paternalista do chefe salvador. A locução não deixa dúvidas quanto à divinização do líder: “Naquela manhã em que se aclamava o homem que soube salvar em curtos anos, que foram uma longa vida, Portugal e o seu
povo aos horrores da guerra.”Jornal Português
domingo, 18 de dezembro de 2011
SUGESTÃO DE LEITURA NATALÍCIA
"Zonas de Contacto", livro interessante sobre as relações culturais, (e não só) entre o Estado Novo e a Alemanha Nacional Socialista.
Para quem gosta de estudar o período do Estado Novo, fica aqui uma boa sugestão de leitura, para este Natal.
Á venda na FNAC.
Aproveito também a ocasião para sugerir outro livro, "Os Alemães em Portugal" que adquiri já a alguns 3 anos, e que foca também as relações entre a Alemanha Nacional Socialista, e o Estado Novo.
Comprado na FNAC.Para quem estiver interessado, terá que procurar, ou até perguntar na FNAC.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
ACÇÃO ESCOLAR VANGUARDA (A.E.V)
A.E.V-ACÇÃO ESCOLAR VANGUARDA
Nos primórdios do Estado Novo, a Acção Escolar Vanguarda constituiu uma primeira tentativa de organização juvenil do regime, de pendor fascista.
Em 28 de Janeiro de 1934, a Acção Escolar Vanguarda apresentava-se, em Comício, no Teatro S. Carlos (Lisboa), com discursos de António Ferro do recém-criado SPN (Secretariado de Propaganda Nacional) – um ideólogo do novo regime em constituição, e de Salazar – o prometedor “chefe” em potência do Estado Novo, nem por isso incontestado por esta época pelos sectores mais extremistas, de pendor fascista – os designados “rolões”, do nome de Rolão Preto, “chefe” do Movimento Nacional-Sindicalista. Era a primeira organização juvenil, criada pelo regime para “combater as ideias comunistas” difundidas entre a juventude, em especial nos meios académicos e sindicais. Teve uma duração curta já que, em finais daquele ano se encontrava praticamente moribunda dando lugar, dois anos depois, à Mocidade Portuguesa, uma organização moldada na linha salazarista dominante. Não deixou de ser, segundo António Costa Pinto “uma organização de dinâmica fascista. O seu jornal – Avante – é um órgão da direita extremista, simpatizante da criação de um forte movimento de massas, à imagem do que acontecia por essa altura em Itália. Muitos dos seus artigos eram escritos por dirigentes fascistas italianos – mesmo alemães. A componente ideológica é fortíssima, com críticas ao capitalismo e traços evidentes de anti-semitismo. No curto espaço de tempo em que se afirmou, os jovens agregados – os “camisas verdes” – eram treinados pelos “tenentes” apoiantes do regime, no Porto, realizaram marchas pelo país e comícios de afirmação fascista (1). Nunca terão ultrapassado os dois milhares de aderentes. Foram, pois, uma minoria muito politizada, de voluntários, dispostos a influenciar a implantação de um regime de natureza fascista em Portugal e com os olhos postos no evoluir do país e da conjuntura internacional.
Um mundo à beira da guerra
No início de 1934, o mundo vivia de olhos cravados na incompreensível terra alemã. Sob o efeito de uma tremenda crise económica, e da vigilância da opinião pública antifascista internacional, a França e a Inglaterra mostravam-se amedrontadas perante a inutilidade da Sociedade das Nações para conter o armamentismo alemão e a contaminação da Áustria pelos “vírus” nazi. Neste país, no início de Fevereiro, foram dissolvidos todos os partidos políticos, à excepção da Frente Patriótica de Dolfuss – para uns meses depois, o próprio ditador ser assassinado, durante uma tentativa de golpe nazi. Por todo o lado, as direitas nacionalistas ganhavam ânimo. Nos finais de 1933 (Novembro), os nazis tinham dominado as eleições alemãs, com 92% do eleitorado a votar em seu favor. Aprovavam, obviamente, a política anti-liberal e anti-social do chanceler nomeado por Hindenburg: governo sem parlamento e supressão dos sindicatos e partidos políticos. Aí estava uma interessante maneira de suprimir as lutas sociais, cortando o mal pela raiz. De resto, se mais dúvidas houvera, a confirmação viria com a aprovação, em referendo, da fusão dos poderes na pessoa do Führer, após a morte de Hindenburg, em Agosto de 1934. Adolf Hitler – o “Chefe” – ia salvar a Alemanha.
Por toda a Europa (e também pelo mundo), a crise do capitalismo, que provocara milhões de desempregados, resolvia-se por um reforço dos poderes do Estado e pela supressão das liberdades individuais e colectivas. No país vizinho, falhara o compromisso entre republicanos e socialistas, em nome de um “humanismo socialista”. Na mesma altura em que Hitler ganhara o eleitorado alemão de forma esmagadora, as direitas republicanas espanholas ganhavam as eleições (Novembro de 1933) e, não por acaso, também Getúlio Vargas assumia poderes ditatoriais no Brasil. Assediada por violentos tumultos, no início de 1934, a República francesa decidia-se pela constituição de um governo de união nacional, por forma a evitar uma possível guerra civil.
Passados ainda poucos anos sobre o terrível primeiro conflito mundial, voltava o pesadelo da guerra. No Extremo Oriente, o Japão anunciara (Março de 1933) a sua retirada da SDN e, em função de uma política belicista, voltava a acordar o conflito russo-japonês – que tinha fragilizado o Império dos Czares em 1905.
O Portugal pró-Salazar
Em Portugal, não eram muito diferentes as condições económicas e políticas que se viviam em finais de 1933 e início de 1934. As elites liberais desistiram do jogo democrático e os últimos resistentes republicanos tinham sido conduzidos ao exílio, à deportação ou à inutilidade de uma semi-clandestinidade inofensiva. Não tinha sido necessário decretar ostensivamente o fim dos partidos políticos e dos sindicatos: foram desaparecendo, de forma “natural” durante a Ditadarua Militar, quer em função da repressão e da censura que ocorria após cada revolta contra a Situação, quer em função da dinâmica inclusiva do Salazarismo que passava pela atracção da maioria das oposições, atribuindo-lhe cargos no aparelho de Estado e pelo esmagamento dos mais renitentes e intransigentes. Em 18 de Janeiro, a tentativa de greve geral tinha constituído o “canto cisne” do movimento sindical livre – e bem assim de uma elite sindicalista com raízes nos tempos áureos do pós-guerra. Em seu lugar, o Estado Novo configurou uma nova estrutura orgânica de enquadramento ideológico, político e institucional. Em Setembro de 1933 promulgou o Estatuto do Trabalho Nacional e reorganizou os Sindicatos Nacionais. Já em Março tinha obtido uma esmagadora confirmação do novo modelo constitucional, através de referendo (embora as abstenções tivessem sido contabilizadas a favor). Até Maio do ano seguinte preparou o I Congresso da União Nacional e o “partido único” do regime. No entanto, só em finais de 1934 (Dezembro) se abalançou à realização de eleições legislativas, porque tinha sido difícil serenar os extremismos de direita que tinham apoiado até aí a Ditadura Nacional, embora com expectativas muito fortes de fascização do regime – entre eles os nacionais-sindicalistas de Rolão Preto, o qual veio a ser exilado em Julho de 1934, em função da oposição que fazia ao Ditador. A formação da Acção Escolar Vanguarda encaixa nesta conjuntura de captação das franjas radicais de direita, como explica António Costa Pinto: “É uma dupla resposta do recém-criado SPN, com António Ferro, mas especialmente com António Eça de Queirós. Por um lado, procurava enquadrar os dissidentes do movimento Nacional-Sindicalista, em desagregação; por outro, procurava integrar na Ditadura – sob a chefia de Salazar – uma juventude «ardente» e desejosa de vitoriar, mimeticamente, os movimentos fascistas europeus”.
Acção Escolar Vanguarda
Era seu dirigente máximo Ernesto de Oliveira e Silva que definia a sua organização como um reduto do combate “antiliberal e antimarxista ao serviço da Nação”. Afirmou-se definitivamente no Comício do teatro S. Carlos, onde discursou Salazar – também contra o comunismo: “a grande heresia da nossa idade”. À juventude presente, que o saudava de braço erguido, à romana, Salazar doutrinava. O Comunismo caminhava para “a subversão de tudo e na sua força destruidora, não distingue o erro e a verdade, o bem e o mal, a justiça e a injustiça” e “pouco se lhe dá da História e das experiências seculares da humanidade, da vida e da dignidade da inteligência, dos puríssimos afectos da família, da honra e do pudor da mulher, da existência e grandeza das nações, contanto que a sua falsa concepção da humanidade tenha podido arrancar a escravidão do homem e a sua máxima abjecção” (Salazar, A Escola, a Vida e a Nação).
A AEV era uma organização transclassista, assegura António Costa Pinto: “Procurava doutrinar a juventude, tanto trabalhadora, como estudantil. Houve contactos com o Ministério da Instrução, mas era, fundamentalmente, uma organização pensada a partir do espírito de inculcação ideológica e doutrinária que fundamentou a criação do Secretariado de Propaganda Nacional”. No Comício de apresentação do teatro S. Carlos, António Ferro não escondia os seus objectivos de propaganda do Estado Novo que queria ajudar a criar com a chefia de Salazar. Aos que duvidavam das suas capacidades de renovação revolucionária afirmava: “Atrás da sua calma, do seu perfil inquebrantável, há mais inquietação, mais revolução, mais vanguarda que em todos esses movimentos desordeiros das alfurjas, que pretendem escalar o poder e terminam sempre na polícia”.
Independentemente da reduzida dimensão e duração, a Acção Escolar Vanguarda cumpriu o seu papel de intervenção social e ideológica, numa altura crucial de fundação e afirmação do novo regime salazarista. Desde logo, porque ajudou a solucionar o problema da desactivação do movimento nacional-sindicalista; depois, porque deu o mote para a criação da futura Mocidade Portuguesa – um movimento mais à medida do projecto do regime. Os dois foram movimentos criados a partir de cima, por iniciativa dos órgãos de propaganda e de formação da juventude, por isso ordenadores da ordem política vigente. Separavam-se, contudo, na sua feição ideológica: a AEV foi um movimento de assumidas simpatias fascistas, ao passo que a Mocidade Portuguesa visou uma integração mais completa da juventude dentro dos "valores nacionais".
Manifesto da A.E.V. (excerto)
Camaradas: os estudantes portugueses, filiados na A.E.V., nesta hora sacudida de violência que a humanidade atravessa, querem marcar com nitidez a sua posição intelectual em face de um velho mundo que se desmorona e de um novo mundo que nasce.
Cientes de que chegou o momento preciso de definir campos, não querem os estudantes remeter-se ao fácil comodismo da neutralidade em matéria política, social e espiritual, quando por toda a parte a consciência das novas gerações se revolta contra as últimas consequências da torpe civilização burguesa e capitalista. A hora actual, cheia de virilidade e audácia, é bem a hora da juventude. “Todo o adolescente se sente construtor de um mundo novo” – dizia ainda há pouco o penetrante crítico russo Berdiaeff.
Com a autoridade moral que temos, lançamos a todos os estudantes de Portugal, a todo o trabalhador honrado, a todo o povo que sofre, o nosso primeiro Manifesto de Doutrina e Combate.
(...) Acreditamos que a maior parte dos estudantes ai perfilhar irreflectidamente os dogmas e as ficções do comunismo, encapotado ou descoberto, não avalia a que infinidade de contradições e ilogismos a conduz o sistema pelo qual se bate.
O comunismo materialista, desprezando todos os valores morais, é a negação da personalidade, rouba-lhe todo o valor e toda a significação, é o aniquilamento total do Homem, a sua mecanização obrigatória.
No campo social, o predomínio de uma classe sobre as outras; no político, o regresso à autocracia primitiva; no económico, a primazia do consumo sobre a produção; no espiritual a substituição do sobre-natural por um ateísmo grosseiro, imposto pela violência sistemática, que endeusa uma classe, considerada messiânica, e faz dela o deus ex machina de toda a vida superior. Acrescente-se a este somatório de ideias o desbragamento sexual, (conhecido pelo eufemismo de Eugénica) destruidor da família e que já se pratica barbaramente na Rússia, e temos criado o ente boçal, vegetando ao sabor do instinto e das paixões, besta desenfreada, amarrada à terra, tipo perfeito de escravo e de bruto moderno. O comunismo é mais um movimento de exploração sentimental, provocado pelos exageros condenáveis do capitalismo burguês, – um apelo às fáceis emoções das massas, que um digno movimento de libertação do Homem. (...)
Mas que autoridade, camaradas, têm estes emancipadores para lutar contra a guerra, se aceitam e defendem o maior exército do mundo – o exército vermelho de Estaline e a sanguinolenta polícia dos déspotas russos – a Guépéou?
Que autoridade têm estes propagandistas do marxismo-leninismo, quando sabem que o trabalho na Rússia é a brutalidade mais desumana que se concebe, e que o suor que ele consome entesoura-se feito ouro nas maciças arcas do Estado-patrão, do Estado-capitalista, do Estado-senhor-único e indiscutível da vontade dos escravos que o servem e sustentam?
Que autoridade têm estes libertadores para combater a tristíssima miséria das proles operárias, quando sabem que o filho do russo é hoje um filho de ninguém, vivendo na Rua e da Rua e tendo, excepcionalmente, o Estado como madrasta?
Que autoridade invocam eles para protestar contra as injustiças sociais, se sobrepuseram o interesse de uma classe ao interesse das restantes? (...).
O comunismo é pois:
1º - A guerra sistemática ao Espírito, à mística ou metafísica cristãs: "Os ateus russos procuram o reino de Deus, mas sem Deus e contra Deus";
2º - Destruição das nacionalidades, pela utópica criação da Pátria Universal; (...)
Queremos um Estado Contemporâneo, dirigido a uma Pátria saudável. Nem regresso à turbamulta dos parlamentos-ganha pão, nem transigências com a fama dos policastros do sufrágio. Queremos um Estado forte, actual, que seja sempre um Estado Novo, dirigido por gente nova, e não apenas um Estado medrosamente anti-comunista.
Camaradas!
O caminho está traçado!
Compete a cada um de vós, vanguardistas, difundir a Verdade política, social e espiritual que nos une indissoluvelmente.
Onde está um vanguardista está um Homem de acção. Cumpri com galhardia a divisa do nosso movimento: Trabalhar, lutar, vencer.
Camaradas. Avante!
Secção Sul da Acção Escolar de Vanguarda
16 DE DEZEMBRO DE 1944-A ÚLTIMA OFENSIVA ALEMÃ DAS ARDENAS
Comemora-se hoje o 67º Aniversário da Ofensiva das Ardenas, e por isso deixo aqui algumas fotos e mapas.
Visitei as Ardenas alguns anos atrás, onde visitei alguns museus, e digo-vos que vale mesmo a pena.
Destaco principalmente o Museu de La Gleize, o de La Roche en Ardenne,o de Bastogne,e o de Diekirch.
MAPA DA OFENSIVA ALEMÃ
Visitei as Ardenas alguns anos atrás, onde visitei alguns museus, e digo-vos que vale mesmo a pena.
Destaco principalmente o Museu de La Gleize, o de La Roche en Ardenne,o de Bastogne,e o de Diekirch.
MAPA DA OFENSIVA ALEMÃ
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